Dicas para se comunicar melhor com pessoas autistas
- Pandorga Formação Autismo
- 31 de jan.
- 5 min de leitura

As dificuldades de comunicação são um dos aspectos principais para estabelecer um diagnóstico de autismo. Porém, não são apenas as pessoas autistas que têm dificuldades de se comunicar com pessoas neurotípicas. O contrário também é verdadeiro. Neurotípicos têm um estilo de linguagem e comunicação que pode se tornar totalmente obscuro para uma pessoa com autismo. E falhas de comunicação são responsáveis por inúmeros problemas que podem facilmente ser evitados. Neste texto vamos compartilhar algumas dicas de um autista britânico, Paddy-Joe Moran, sobre como melhorar nossa comunicação com pessoas no espectro.
Dicas para se comunicar melhor com pessoas autistas
Paddy-Joe, autista

Aos 8 anos de idade, Paddy-Joe Moran foi diagnosticado com autismo. Ele passou por uma infância e juventude extremamente difíceis, atormentado por frequentes descontroles e surtos e incontáveis situações de estresse. Com a ajuda de profissionais e da família, conseguiu chegar à universidade. Ao longo do tempo, adquiriu uma vasta experiência com terapeutas e profissionais de apoio a pessoas com autismo e guarda sentimentos ambíguos sobre todas essas experiências.
Adulto, Paddy-Joe resolveu escrever um livro dirigido a terapeutas e outros profissionais com o objetivo de ajudá-los com dicas básicas e fáceis de implementar para lidar com pessoas no espectro, principalmente no que diz respeito à comunicação. Este livro, infelizmente, não está disponível em português. Seu título poderia ser traduzido como: Comunicando melhor com pessoas no espectro do autismo – 35 coisas que você deveria saber. Mas as dicas de Paddy-Joe são muito úteis não apenas para profissionais. Elas também servem muito bem para familiares, colegas, professores e qualquer um que conviva com pessoas autistas.
Num artigo anterior, falamos sobre a tendência de as pessoas autistas compreenderem palavras e expressões de forma literal e sobre a dificuldade que elas têm para captar subentendidos e entender sarcasmo. No seu livro, Paddy-Joe dá algumas dicas importantes sobre essas questões e é isso que vamos ver em seguida.
Sobre entender linguagem ao pé da letra
Dirigindo-se aos profissionais que lidam com pessoas com autismo, ele diz o seguinte[1]:
“Trabalhar com pessoas autistas pode causar muitas surpresas e ser bastante imprevisível. Mas uma coisa é certa: se você estiver trabalhando com pessoas no espectro, vai ser levado ao pé da letra − muito. Alguns autistas fazem isso com frequência; outros, quase nunca. Mas seria um autista muito raro aquele que nunca tivesse levado nada ao pé da letra.
Pode parecer que você tenha que ficar o tempo todo controlando o que diz, e de certa forma é assim mesmo. Mas não precisa ser uma coisa estressante, difícil de manejar. Todo mundo tem seu jeito próprio de falar: a frequência com que usamos certas palavras ou expressões, o modo como damos respostas, a maneira de ordenarmos as palavras... Tudo o que você precisa fazer é tomar a decisão de adquirir os hábitos certos e, depois de um tempo, você vai falar de um modo mais adequado sem nem ter que pensar sobre isso.
Recomendo que você não use provérbios, citações e expressões idiomáticas que podem ser mal compreendidos por pessoas com autismo. Fazendo isso, você vai tornar as coisas muito mais claras e vai evitar mal-entendidos. Por mais comuns que sejam, essas expressões podem acabar sendo compreendidas da maneira errada. Sei de pessoas com autismo que ficaram com medo de ir ao trabalho porque tinham ouvido alguém dizer sobre um colega, “eu mato o fulano!”. Ora, qualquer um pode dizer isso uma vez ou outra sem pensar no que está falando. É uma frase descartável, que às vezes nem é dita com raiva. Mas se uma pessoa com autismo leva essa frase ao pé da letra, pode ficar muito perturbada.
O importante é que os profissionais sejam capazes de entrar no modo de pensar das pessoas com as quais estão trabalhando.”
[1] Tradução livre feita pelos autores deste artigo.
Sobre sarcasmo e autismo
Paddy-Joe também faz recomendações importantes sobre o sarcasmo:
“Uma das melhores coisas que você pode fazer ao falar com pessoas autistas é evitar o uso de sarcasmo. Muitas vezes frases ditas de maneira sarcástica são levadas ao pé da letra e, portanto, não são compreendidas pela pessoa com autismo. Evitar o sarcasmo seria uma maneira positiva de ajudar as pessoas autistas a se sentirem melhor quando falam com você.
O sarcasmo é algo que muitas pessoas autistas simplesmente não entendem. Mas não é só isso. Pessoas no espectro consideram o sarcasmo cruel e inútil.
Na verdade, não há nada de errado em ser um pouco sarcástico de vez em quando. Mas como as pessoas com autismo não entendem e até odeiam essa maneira de esse expressar, é melhor evitá-la. Pense em como o sarcasmo funciona: você diz algo sarcástico, e a única coisa que faz disso uma piada e não um insulto é o tom de voz que você usa. Mas, se alguém é incapaz de diferenciar entre tons de voz, como é que vai perceber a piada? Não vai achar que está sendo insultado?
Digamos que a pessoa faz uma pergunta e você diz “sim”, em tom sarcástico. Se ela não consegue entender a modulação no seu tom de voz, como é que ela vai saber que você, na verdade, quer dizer “não”? Se você usar sarcasmo e alguém não entender, você pode pensar que está sendo muito engraçado, mas a pessoa autista pode achar que você é rude e até meio bobo.
Felizmente, essa questão é fácil de resolver. Tudo o que você precisa fazer é pensar antes de falar e não ser sarcástico. O sarcasmo é uma forma de humor, por isso pode ser eliminado do seu jeito de falar, sem que isso prejudique o que você está dizendo. Não é essencial para o que você tem a dizer. Como muitas dicas deste livro, esta é uma questão de hábito: se você, como muitas pessoas, tem o hábito de ser sarcástico quando fala, então talvez tenha que refletir sobre o seu jeito de falar no dia-a-dia, mesmo quando não está lidando com pessoas autistas.
Se você mudar esse costume e reduzir o uso do sarcasmo, vai criar novos hábitos que ajudarão você no seu trabalho com pessoas no espectro. Deixar de usar sarcasmo vai não só facilitar a compreensão das pessoas autistas, mas também pode fazer com que elas gostem um pouco mais de você!”
Estas são algumas das dicas de Paddy-Joe, autista, sobre como melhorar nossa comunicação com pessoas no espectro.
Um dos nossos objetivos principais deve ser ajudar a pessoa autista a se comunicar porque isso a torna mais autônoma, evita muitos comportamentos difíceis e, consequentemente, melhora a autoestima dela (e a nossa também, sejamos honestos, por termos ajudado alguém a se sentir melhor). O primeiro passo é melhorarmos nossa própria comunicação com ela. E para que isso aconteça, como vimos, temos que evitar qualquer forma de linguagem que não seja direta e clara. Isso talvez não seja fácil no início e demanda que sejamos vigilantes quanto ao nosso modo de falar, mas com alguma persistência, vai se tornar um hábito e vamos colher frutos deste esforço.
Paddy-Joe Moran é escritor, blogueiro e autor de um serviço de aconselhamento online. Ele vive em Manchester (Reino Unido). Em 2016, publicou um livro pela editora Jessica Kingsley, intitulado Communicating better with people on the autism spectrum – 35 things you need to know. Tradução: Comunicando melhor com pessoas no espectro do autismo – 35 coisas que você deveria saber.
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