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Foto do escritorPandorga Formação Autismo

Pessoas autistas também socializam

A sociabilidade é uma questão bastante complexa entre as pessoas com autismo. Algumas pessoas autistas evitam contato social sempre que podem; outras, ao contrário, anseiam por se socializar. Muitas tentam se aproximar de outras pessoas, mas acabam quase sempre se frustrando. E há aquelas que aprendem socialização como uma série de regras e conseguem ir se adaptando e convivendo, apesar de pagarem um alto preço de ressaca social por isso.


A conclusão a que se chega é que pessoas autistas também socializam se houver condições para isso. Quais são essas condições é o que queremos desvendar neste artigo. Em seguida você vai ler quatro exemplos reais que nos ajudam a encontrar uma resposta.


Pessoas autistas também socializam

Pessoas autistas também socializam. Entenda como as pessoas com autismo socializam, quando existem condições para isso

Dicas para a socialização de adolescentes autistas

Em agosto de 2019, a coordenação da Pandorga foi convidada a falar sobre autismo para um grupo de 150 estudantes de uma escola de ensino médio na cidade de Tabaí, a 78 quilômetros de Porto Alegre. O convite foi feito porque a escola tinha dois estudantes com laudo de autismo, e o tema que propuseram para o encontro foi “como lidar com a pessoa autista”.


Para ajudar a elaborar a apresentação, a coordenação da Pandorga resolveu perguntar a duas amigas autistas, Martina e Márcia, o que elas diriam àquele grupo de estudantes adolescentes. Martina respondeu o seguinte:

 

Eu não  sei bem o que responder; vou dizer baseada no jeito que eu gosto que me tratem. Gosto quando me dão “oi” ou um “tudo bem?”, ou “teu final de semana foi bom?” e vão embora, porque assim sei que posso me aproximar quando eu quiser. Podem me chamar pra fazer coisas, mas não fiquem chateados quando a resposta é não. Se eu disser não, ou disser que preciso ir embora, não fiquem insistindo. E eu sempre preferia que houvesse mais de uma pessoa no grupo de trabalho ou de amigos, pra não me sentir obrigada a interagir. Então, quando for conversar com essa pessoa, tente uma aproximação em dupla. Tente notar se a pessoa está desconfortável conversando (não empolgada com o assunto ou dando respostas simples) e não continue conversando com ela. Comece com conversas curtas no início da amizade. Nada de acompanhar a pessoa até em casa ou algo assim. E eu sempre gostava que me chamassem pelo apelido; eu ficava mais confortável e à vontade em algumas situações. Então, se a pessoa tem um nome específico que ela gosta, chame ela assim.

 

A resposta de Márcia foi esta:

Nessa faixa etária (entre 12 e 17 anos) não queremos ser excluídos ou julgados. É a fase onde o social é importante e o sentimento de exclusão leva à depressão.

A pessoa com autismo quer ser convidada para uma festa, mesmo que ela não vá. Receber o convite é se sentir incluído. Ser chamado pra esportes, festas, atividades em grupo é importante.

A dificuldade social faz com que as pessoas com autismo se afastem naturalmente do convívio social, principalmente nessa etapa e isso dificulta ainda mais.

O olhar atento dos alunos para incluir os colegas autistas nas atividades cotidianas, sem julgar, é muito importante.

Pode ser que o colega com autismo recuse algum convite. Não é por mal. Não deve ser julgado por isso.

Adolescência é difícil para qualquer pessoa. Mas para pessoas com autismo a cobrança é ainda maior. É muito importante que os colegas exerçam a empatia.

O respeito à diversidade de pensamentos e comportamentos deve ser trabalhado com todos na escola, para evitar o bullying.

 

Um menino autista arranja companhia


Casa da Pandorga Criança
Pandorga Criança

O escritório da Pandorga Formação fica no andar superior da casa da Pandorga Criança onde 12 crianças com autismo grave − nenhuma delas falante − são atendidas no turno da tarde. Quando o pessoal da Pandorga Formação retorna ao trabalho depois do almoço, as crianças já estão lá. Para chegar à escada que leva ao 1º. andar, nós passamos pelo espaço ocupado pelas crianças e nesse momento muitas vezes acontecem encontros bem interessantes. Às vezes, uma das crianças nos toma pela mão e nos leva para dar uma volta pelas dependências da casa antes de nos conduzir até a escada e nos deixar subir.

 

Um dia desses, Itamar, de 9 anos, levou Arthur, um dos nossos colegas, a caminhar pelos corredores. O menino experimentou diversas portas que estavam trancadas e, por fim, entrou numa das salinhas de refúgio e se deitou na rede. Arthur achou que o passeio estava terminado e já ia se retirando, quando Itamar protestou: saltou da rede, pegou o Arthur pelo braço e o posicionou de volta dentro da salinha, virado para a rede. Itamar voltou a se deitar na rede, tranquilo e feliz, e ficou se balançando, sorrindo para o Arthur, visivelmente satisfeito com a companhia dele. 


Um local de socialização inusitado

No primeiro local onde a Pandorga Criança funcionou, havia um pátio bem grande e todos os dias, depois do lanche, as crianças – todas autistas graves − se ocupavam cada uma do seu jeito e cada uma por si. Sendo autistas, elas não brincavam juntas. Uma ficava caminhando interminavelmente, outra ficava sentada na caixa de areia, concentrada na areia escorrendo pelos dedos. Outro menino juntava folhas secas e as jogava pela cerca para o terreno do vizinho. E assim as crianças ficavam dispersas pelo pátio, cada uma absorta na sua atividade individual, sem interagir com as outras.

 

Acontece que, em certos dias, as educadoras estendiam no chão um edredom já bem velho e surrado e aí uma coisa extraordinária acontecia. Espontaneamente, sem nenhuma combinação, nenhum chamado, nenhum sinal, as crianças iam deixando suas atividades e vinham sentar-se sobre o edredom. De costas ou de lado umas para as outras, simplesmente lá ficavam, tranquilas, sem se olhar, sem se tocar, apenas juntas, ocupando o mesmo espaço.



É claro que ali havia uma conexão muito forte: no dia seguinte elas pegariam suas mochilas e ficariam esperando pelo transporte escolar (mesmo em sábados, domingos e feriados) para poder voltar a ter essa experiência de convivência, tão sem sentido aos olhos das pessoas neurotípicas, que precisam estar sempre interagindo, mas totalmente plausível e confortável para essas crianças.


Uma empresa inclusiva

Lúcia é uma mulher autista de meia idade. Ela trabalha numa empresa que tem centenas de funcionários, que valoriza a diversidade e se empenha por uma cultura inclusiva. A empresa faz todo o esforço possível para que o ambiente seja amigável ao autista. Em consequência disso, Lúcia consegue ter uma relação social sem problemas e se sente muito realizada e feliz dentro da empresa.  O desejo dela é poder permanecer nesse ambiente de trabalho até o fim da sua vida profissional.

 

Recapitulando, no início do artigo nos perguntamos quais são as condições para que as pessoas autistas consigam se socializar e ter sucesso nas suas buscas por interação com outras pessoas. As quatro situações que acabamos de ver apontam para duas condições.


Em primeiro lugar, a socialização precisa acontecer do modo autista, não do modo neurotípico.

Essa socialização pode ser, por exemplo, como foi proposto por Martina e Márcia: cumprimente a pessoa autista – “oi, tudo bem?” − e se afaste deixando a critério dela se aproximar quando quiser; convide a pessoa para fazer algum programa, sabendo que ela pode recusar e que isto não é um problema; não insista se a pessoa quiser ir embora. Lembre-se do que disse Márcia: a pessoa com autismo gosta de receber convites, mesmo que não vá. Ser convidado é se sentir incluído.

Pode ser do jeito do Itamar: fique perto e apenas observe − não precisa fazer nada, não precisa dizer nada −, simplesmente ofereça  sua companhia tranquila e silenciosa. É bem simples, certo?

Pode ser da maneira das crianças do edredom, desfrutando de um elo, de uma companhia humana que não precisa de palavras, de olhares ou de contato físico, dentro do espaço delimitado do edredom.


E, em segundo lugar, autistas só se socializam bem num ambiente amigável ao autista, ou seja, num ambiente onde as características e necessidades deles são compreendidas e respeitadas sem julgamentos.

 

Portanto, para conseguirem se socializar, as pessoas com autismo dependem não só de suas próprias habilidades. Elas também dependem das habilidades das pessoas neurotípicas com quem convivem:

  • para deixar que se socializem do jeito delas e

  • para proporcionar ambientes amigáveis ao autista.

 

O desafio diário das pessoas autistas é viver num mundo pautado por convenções neurotípicas. O desafio, e a responsabilidade, das pessoas neurotípicas é criar ambientes mais favoráveis à diversidade nos modos de ser, onde autistas se sintam confortáveis e incluídos, sem que isso seja tido como um favor.


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