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Foto do escritorPandorga Formação Autismo

Autismo, um espectro


Autismo, um espectro. Entenda o impacto do TEA na vida do autista e seus diferentes graus de intensidade

Quando nos debruçamos sobre o autismo, examinando suas causas e sua essência, observando como essa condição afeta a vida das pessoas nas esferas da interação social, dos comportamentos, do modo de pensar e das comorbidades, percebemos que estamos diante de um leque muito variado de aspectos que podem comprometer a vida das pessoas com autismo.

Cada um desses aspectos pode afetar a vida da pessoa em diferentes graus de intensidade. É essa variedade – as diversas áreas afetadas e os diferentes graus de comprometimento em cada uma delas − que chamamos de espectro do autismo. Por isso, o nome oficial do autismo é transtorno do espectro do autismo. 

Profissionais que lidam diariamente com pessoas autistas não cansam de se admirar de tamanha variedade. Não existe uma pessoa autista igual à outra. Por isso pode-se dizer que, na verdade, não existe o autismo. Existem autismos: o autismo da Fernanda, o autismo do André, o autismo do Bruno, da Marisa e assim por diante.


As principais diferenças entre as pessoas com autismo se encontram em quatro áreas:
  • na capacidade cognitiva,

  • no domínio da linguagem,

  • nas comorbidades associadas e

  • no nível de gravidade do autismo.


Diferenças na capacidade cognitiva

No âmbito do autismo se fala muito em capacidade cognitiva, mas nem sempre entendemos o que isso realmente significa. No entanto, esse é um dos conceitos mais importantes quando o assunto é autismo e aprendizagem. Para construir conhecimento, nós (todos) precisamos de capacidades mentais. As principais dentre elas são:

  • raciocínio verbal,

  • habilidades matemáticas,

  • memória,

  • compreensão visual-espacial e

  • habilidade de resolução de problemas.

O conjunto dessas capacidades mentais é chamado de capacidade cognitiva.  

Para reunir essas capacidades mentais, a pessoa precisa ter um certo grau de inteligência, e este é um ponto em que autistas diferem muito entre si. 36% deles não alcançam uma capacidade cognitiva média e têm, portanto, significativas dificuldades de entendimento e de aprendizagem. Os outros 64% apresentam níveis muito variados de inteligência.

A enorme variedade nos níveis de inteligência entre as pessoas com autismo pode ser exemplificada nos casos de Mariana e Gabriela.


Mariana
Mãos dadas entre uma criança e um adulto

Mariana é uma jovem adulta que, segundo a mãe dela, não entende dois comandos seguidos: “Vá até a cozinha e pegue um copo.” É preciso dar o primeiro comando: “Mariana, vá até a cozinha”, e quando ela chegar lá, dar o segundo comando: “Pegue um copo.”

Mariana, quando está doente, não consegue dizer nem mostrar onde dói. Ela não fala e é dependente em quase tudo para a sua sobrevivência. Entretanto, apesar de todas essas limitações, Mariana tem um enorme coração. Certa vez, uma mãe veio com seu filho autista visitar a Pandorga. Enquanto essa mãe conversava com a coordenadora da Pandorga numa sala do segundo andar, o menino ficou esperando no andar de baixo. Ele se parou junto à cerca, ficou olhando para a rua e, de repente, começou a chorar. As educadoras tentaram acalmar o menino de todas as formas, mas não havia consolo; ele chorava e chorava. Então, Mariana se levantou, foi até a cerca, pegou a mão do menino e se parou ao lado dele, olhando para a rua. Aos poucos, o choro foi passando e o garoto se acalmou, confortado pela mão da Mariana.


Gabriela
sobrecarga

Gabriela tem mais ou menos a mesma idade da Mariana. Ela é casada, dirige carro e tem uma excelente profissão. Ela passou no vestibular de Arquitetura, da UFRGS, e de Física Médica, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Ela começa a estudar mas, depois de alguns meses, desiste por falta de interesse. Quando perguntaram como o autismo afeta a vida dela, Gabriela respondeu: “Em primeiro lugar, não suporto cheiros. Quando sento perto de alguém com um cheiro que eu detesto, chego a ficar com dor de cabeça. Em segundo lugar, barulho e aglomeração de gente. Também não consigo ficar sozinha com gente, por causa dos silêncios – nem com minhas irmãs. Quando dá um silêncio, não sei o que conversar. Só não sinto isso com a minha mãe e com o meu marido.” E, concluindo, ela falou: “Parece que todo mundo recebeu um manual de como se comportar, menos eu.”


Mariana e Gabriela, tão diferentes, têm uma coisa em comum: são autistas, nasceram com o instinto social desligado e vão lidando com esse déficit ao longo da vida, do jeito que podem, cada uma nas suas condições.


Diferenças nas outras áreas

Um segundo fator onde se estabelecem diferenças é o domínio da linguagem. Existem autistas que falam, mas não escrevem; há os que escrevem mas não falam, os que não escrevem nem falam e os que escrevem e falam.  

Um terceiro fator de diferença é o das comorbidades associadas ao autismo. Você pode imaginar que a combinação de diversas comorbidades (em torno de 20) e o diferente nível de impacto que cada uma delas exerce sobre cada pessoa contribuem enormemente para a variedade do espectro do autismo.

E um quarto fator de diferença, mas não menos importante, é o nível de gravidade do autismo em si. Ou seja, o grau de impacto que o nascer sem instinto social tem na vida de cada pessoa. Esse impacto pode ser desde muito leve até extremamente grave.

Pode ser grave como no desabafo de um pai que estava criando sozinho uma filha autista adolescente. Ele falou: “Quando a gente morrer, quem vai dar comida pra eles? Quem vai dar banho neles? Eles vão andar por aí, pelados e com fome, pior que mendigo na rua”. Isso é autismo muito grave.

E existem aqueles que passam pela vida quase sem se dar conta do seu autismo. Muitos pais e mães só descobrem o próprio autismo quando recebem a explicação do diagnóstico de um filho.


Entre esses dois extremos, há toda uma gama das mais variadas manifestações. E que ninguém se engane. Inteligência não é sinal de autismo “leve”. Existem autistas que são expoentes no mundo acadêmico, no mundo científico e até empresarial e que sofrem com graves comprometimentos resultantes do autismo. Por exemplo, há relatos de pessoas bem sucedidas que não conseguem se vestir de manhã sem uma agenda visual mostrando exatamente a sequência de peças de roupa que devem vestir. Existem pessoas autistas muito inteligentes que não conseguem administrar sua alimentação: ou esquecem de comer e beber o dia inteiro, ou comem e bebem sem parar, descontroladamente, enquanto houver comida e bebida à disposição.

Além disso, autistas com grande capacidade cognitiva costumam sofrer muito mais com o autismo deles do que aqueles que têm uma limitação intelectual.

Esta incrível variedade de autismos, da Fernanda, do André, do Bruno, da Marisa, é o que exige de nós constante observação, constante investigação, constante questionamento, constante aprendizado. Conhecer uma pessoa autista não significa conhecer o autismo. Conhecer o autismo significa conhecer o maior número possível de possibilidades de manifestações do transtorno e significa estar sempre disposto a se desfazer de convicções, rever ideias e reavaliar práticas.


Fique atento ao nosso próximo artigo. Até lá!

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