O pensamento perceptual e a aprendizagem
- Pandorga Formação Autismo
- 9 de mai.
- 5 min de leitura
O que significa dizer que uma pessoa tem um pensamento perceptual?

Fazendo um breve resumo, isso significa que a pessoa se guia basicamente pelas suas percepções (as informações captadas pelos cinco sentidos – visão, tato, audição, olfato e paladar) para compreender o mundo. Além disso, ela não ultrapassa esse nível de compreensão, não “vai além da informação dada”, nas palavras de Jerôme Bruner. Ou seja, ela não chega ao significado que está além das percepções, nem se apropria do contexto geral. A pessoa percebe o mundo como uma profusão de detalhes, muitas vezes desconexos. No autismo é bastante comum esse modo de pensamento, como já vimos em um texto anterior.
Neste artigo vamos ver que esse modo de pensar, embora bastante desvantajoso em muitas situações, também tem aspectos positivos e pode ser usado a nosso favor.
O pensamento perceptual como desvantagem

Por um lado, ter um pensamento perceptual pode originar muitas dificuldades para pessoas autistas, principalmente quando são crianças. Temos o exemplo extremo do bebê que quase morreu por inanição, porque não conseguia mamar logo depois de nascer. Depois de ter mamado pela primeira vez, os sinais perceptuais que tinha recebido na sua primeira mamada não estavam mais todos presentes e seu cérebro não conseguia fazer a conexão entre os novos sinais e o ato de mamar, nem entre mamar e se alimentar. Os detalhes perceptivos não estavam presentes para que ele pudesse mamar.
Por causa desse funcionamento, pessoas com autismo também podem ter muita dificuldade para entender explicações faladas, uma vez que a fala pode ser percebida apenas como ruído. A pessoa autista pode não entender que esse ruído tem significado, ou então ela pode precisar fazer muito esforço para chegar a ele. Isso cria muitos problemas em situações onde instruções são dadas oralmente – em casa, na escola, no trabalho e em quase todo lugar!
O pensamento perceptual como vantagem
O pensamento perceptual também tem seu lado positivo. Pessoas autistas, em sua grande maioria, aprendem vendo, visualizando – muito mais do que pelo raciocínio, por explicações abstratas, pela lógica, por indução e dedução. Esse foco no visual pode se tornar uma excelente ferramenta para a aprendizagem de pessoas com autismo.

Veja o exemplo do Gustavo, quando ele chegou à Pandorga Criança.
Durante muitos anos a Pandorga funcionou na casa da sua coordenadora. No pátio havia muitas árvores e uma dessas árvores tinha um galho baixo, onde era bem fácil apoiar o pé. Mesmo para uma criança, era um convite para subir.
Um dia chegou um menino novo, Gustavo, que imediatamente reparou naquele galho. O “convite” estava lá e Gustavo não demorou muito para começar a subir na árvore. Aquela atividade, no entanto, foi ficando perigosa. As educadoras conversavam com ele, explicavam por que era perigoso e tentavam convencê-lo de todas as maneiras a não subir, mas não deu certo. O Gustavo chegava na Pandorga e ia direto para a árvore.
Então, uma das professoras teve uma ideia. Buscou um resto de tela de nylon que estava sobrando, enrolou na árvore e disse ao Gustavo: “Olha, você está vendo esta tela? É proibido subir na árvore.”. Pronto, estava resolvido. Gustavo não subiu mais.
Sendo um pensador visual, ele associou o comando ao elemento visual. E – felizmente, neste caso − Gustavo não foi além da informação dada. Outra criança poderia ter pensado: “Ah, isso não vai me impedir de subir na árvore, é só puxar a tela que ela cai.” Mas o Gustavo parou na mensagem visual: tela = não pode subir.
O pensamento visual foi o que possibilitou ao Gustavo entender uma regra importante para uma boa convivência na Pandorga.
Pensamento perceptual e a aprendizagem
A tela, elemento que foi usado para ensinar ao Gustavo que ele não podia subir na árvore, é o que chamamos de apoio visual. Para ensinar pessoas autistas de qualquer idade e de qualquer nível de suporte, o apoio visual é um recurso fundamental. Isso vale mesmo para autistas que são verbais e têm boa capacidade cognitiva. Além disso, o apoio visual pode ser usado em todos os contextos: em casa, nos serviços públicos, na escola, nas terapias, na faculdade, no comércio, no trabalho − mesmo nos empregos mais sofisticados.
O uso do apoio visual em situações de aprendizagem baseia-se no fato de a pessoa autista ter um pensamento perceptual: neste exemplo específico, ela se concentra e tira informações daquilo que vê.
Essa característica tem consequências amplas para o ensino-aprendizagem no autismo. Em seguida apresentamos uma lista de atitudes que são importantes para quem ensina pessoas autistas e que tem uma estreita relação com esse estilo de pensamento:

Evite falar.
Use o mínimo possível de palavras. Elas dificilmente vão entender suas instruções verbais, e muito menos vão seguir um raciocínio abstrato. Falar só vai bloquear o aprendizado e contribuir para a irritação e o estresse da pessoa com autismo.
Ensine pela experiência.
A experiência envolve todos os sentidos no aprendizado. Proporcione à pessoa autista a experiência de arrumar a cama, varrer a casa e o pátio, pôr roupa na máquina, lavar, secar e guardar a louça, guardar a roupa no armário. Pessoas autistas gostam de fazer as coisas bem feitas e vibram com cada sucesso. Proporcione a experiência de caminhar pelo bairro, andar na calçada, comportar-se na loja, no mercado, esperar a vez, tolerar a presença de outras pessoas, suportar aglomerações, barulhos e cheiros. Ensinar pela experiência é uma extraordinária estratégia de ensino-aprendizagem para pessoas que têm o pensamento perceptual.

Ensine, fazendo. Ensine, mostrando.
Autistas gostam de aprender observando modelos, observando pessoas fazendo coisas. O menino viu tantas e tantas vezes a mãe passando café (a mãe = o modelo) que um dia foi lá e fez sozinho, com toda autonomia, sem que fosse necessária qualquer explicação. Ele aprendeu só observando, dia após dia, o que a mãe fazia. Modelos são essenciais para pensadores perceptuais. Outro grande recurso para ensinar mostrando são vídeos, que podem ser facilmente criados no celular.
Ensine, visualizando.
Pessoas com autismo gostam de aprender por esquemas, padrões, passo a passos, manuais, regulamentos, regras escritas estruturadas e numeradas em listas e tópicos.
São recursos que podem ser visualizados das mais diversas maneiras, desde agendas individuais até cartazes afixados em paredes, portas, corredores e quadros de avisos.

Ensine pela rotina
Pessoas autistas tem outra característica que, embora indiretamente ligada ao pensamento perceptual, também é muito propícia ao aprendizado: elas gostam de previsibilidade e se apegam a rotinas. Tudo o que é rotineiro e conhecido, poupa a pessoa autista do trabalho de decifrar novos sinais para entender o mundo. Digamos que, para alcançar autonomia, uma criança autista precisa aprender uma ação ou procedimento de que não gosta; por exemplo, escovar os dentes ou pentear os cabelos. Uma estratégia pode ser insistir nessa ação com tanta persistência e regularidade que e a criança acaba por querer fazer aquilo, mesmo não gostando, porque faz parte da rotina.
O pensamento perceptual é uma característica importante das pessoas com autismo que precisa ser compreendida e levada em conta por familiares, cuidadores, educadores, terapeutas e médicos. Esta é uma compreensão que deve fazer parte do repertório de conhecimentos necessários sobre autismo, tanto para entender (e possivelmente prevenir) dificuldades que possam advir daí, quanto para tirar proveito dela para facilitar a vida da pessoa autista.
O objetivo deve ser sempre melhorar a qualidade de vida da pessoa autista. Se a qualidade de vida dela melhorar, a qualidade de vida das pessoas ao redor dela também melhora.
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