Neste artigo queremos explicar o que se pode entender por dimensão social do autismo. Vamos falar sobre três aspectos que dizem respeito a essa dimensão social: a proporção de homens e mulheres afetados pelo autismo; a amplidão social, que se expressa na prevalência do autismo na população; e a profundidade social do autismo.
A dimensão social do autismo
Nos últimos artigos, procuramos construir uma visão razoavelmente abrangente e completa do transtorno do espectro do autismo. Entre os elementos importantes para se criar uma visão geral sobre o transtorno está sua dimensão social.
Vamos ver os três aspectos seguintes dessa dimensão social:
- a proporção de homens e mulheres afetados pelo autismo;
- a amplidão social, que se expressa na prevalência do autismo na população;
- a profundidade social do autismo, que se mostra no impacto que o autismo tem sobre cada membro das famílias implicadas.
Continue lendo para entender o que significa cada um desses aspectos da dimensão social do autismo.
Proporção de homens e mulheres afetados pelo autismo
Até alguns anos atrás se tinha como certa e absoluta a proporção de 4 homens com autismo para 1 mulher − e, por incrível que pareça, é por essa simples razão que o azul se tornou a cor que representa o autismo.
É até possível que existam mais autistas homens do que mulheres, mas a questão é bem mais complexa do que a simples aplicação da fórmula 4 x 1.
O autismo começou a ser identificado na primeira metade dos anos 40, no século passado – pelo menos essa é a versão oficial da história, embora hoje já se saiba que, antes disso, essa condição já vinha sendo observada e descrita, inclusive em meninas. Naquela época, nos anos 1940, os pesquisadores começaram a observar a condição, mais tarde chamada de autismo, em grupos de meninos. Na visão deles, tudo apontava para um transtorno que afetava, principalmente, os meninos. Consequentemente, a ciência passou a pesquisar mais o autismo em meninos. O que acontecia é que os meninos chamavam mais a atenção do que as meninas, porque as meninas são muito melhores em camuflar os comportamentos autistas e em imitar os comportamentos das pessoas típicas. Por essa razão, o autismo delas não ficava tão evidente.
Hoje se sabe que essa habilidade de camuflar e imitar pode cobrar um preço altíssimo das mulheres. Ficar o tempo todo pretendendo ser alguém que elas não são exige um esforço quase sobre-humano. Por isso, o autismo de meninas e mulheres se apresenta com características bem próprias.
O autismo continua a se manifestar mais em homens do que em mulheres, mas a proporção entre eles varia conforme as diferentes faixas etárias e os diferentes níveis de capacidade cognitiva. Portanto, não se pode simplesmente aplicar a fórmula 4 x 1 em qualquer situação.
A amplidão social do autismo
Outro aspecto que merece atenção é a amplidão social do autismo. E, antes de mais nada, é preciso deixar claro que o autismo é absolutamente democrático: não tem preferência por nenhum grupo social, não conhece distinção de geografia, de raça, de cor ou de situação socioeconômica. Ele ocorre em todas as esferas e camadas sociais e em todos os lugares do mundo.
A amplidão social do autismo seria algo como o “tamanho” que o autismo tem na sociedade e suas populações, e se mostra principalmente na questão da prevalência.
Vamos lembrar o que é prevalência: é a proporção de uma população que tem uma característica específica (neste caso, autismo) num período de tempo determinado.
Comparando dados do Centro de Controle de Doenças dos EUA, da Organização Mundial da Saúde, do Departamento de Educação de Queensland (Austrália), além de outras fontes, parece seguro estimar que a prevalência do autismo vem se estabilizando em torno de 1,5 a 1,7% da população. Isso significa, por exemplo, que, para uma cidade de 100 mil habitantes, precisamos contar com algo entre 1.500 e 1.700 pessoas autistas de todas as idades e diferentes graus de comprometimento. Num estado como o Rio Grande do Sul (Brasil), que tem aproximadamente 11 milhões de habitantes, pode-se estimar que haja uma população de aproximadamente 160.000 a 180.000 pessoas com autismo. Com esses dados, é possível calcular quantas pessoas autistas de todas as idades e diferentes graus de comprometimento provavelmente vivem sua cidade. É só multiplicar o número de habitantes por 1,5 ou 1,7%.
Esta é a amplidão social do autismo.
A profundidade social do autismo
A profundidade social do autismo, por sua vez, diz respeito à forma profunda como o autismo afeta cada membro da família. Não é como ter em casa uma pessoa com diabetes ou com uma perna amputada. Essa pessoa precisa de ajuda, de cuidados e apoio, mas cada membro da família pode continuar levando sua vida e seus projetos pessoais adiante. O impacto do autismo é imensamente maior.
Quando há uma pessoa com autismo em casa, que tipo de coisas podem acontecer? Essa pessoa pode levantar no meio da noite e quebrar todas as lâmpadas da casa. Ela pode se descontrolar e descarregar toda a angústia acumulada no aparelho de TV ou na geladeira – ou na pessoa mais próxima dela. Ou ela joga tudo pela janela.
Ela pode sofrer de insônia, perambular pela casa a noite toda e não deixar ninguém dormir. Ela pode gritar, ter comportamentos estranhos, às vezes antissociais – e aí é preciso lidar também com as reclamações e julgamentos das outras pessoas.
Quando perguntaram ao pai de um adolescente autista como estava o filho, ele respondeu: “Agora ele está bem melhor. Não fica mais o tempo todo jogando os pratos no chão.”
Por causa de toda a atenção que os pais precisam dedicar ao filho ou à filha com autismo, os irmãos vão sendo deixados de lado ou prejudicados. Alguns se solidarizam com os pais. Outros se rebelam contra a situação. Muitos não se arriscam mais a trazer a namorada ou o namorado para casa, não se atrevem a convidar colegas para fazer trabalhos da escola.
A presença de uma criança autista geralmente acaba exigindo a dedicação (quase) exclusiva de uma pessoa da família. Pode ser a avó, pode ser uma irmã, mas geralmente é a mãe. O roteiro de vida dessa mãe se repete em milhares de casos. Bem cedo, ela começa uma busca desenfreada por informação, por orientação; ela acaba abandonando a profissão, os estudos e o círculo de amigas. Frequentemente, o marido não suporta e vai embora. Além de tudo isso, essa família quase sempre acaba sendo isolada e excluída pelo restante da família estendida. Esta é a cruel profundidade social do autismo.
Por aí percebemos que o impacto do autismo vai bem além de comportamentos estranhos pontuais e problemas de comunicação deste ou daquele indivíduo. Além da pessoa autista em si, o autismo afeta muitas vidas, de muitas pessoas, em muitas situações.
Com frequência o autismo se torna um problema, mas muitas dessas vezes não precisaria ser assim. Com mais conhecimento das pessoas em geral, com o cumprimento sereno das leis e, principalmente, com compreensão e solidariedade, os encontros entre o “mundo típico” e o “mundo autista” poderiam ser bem mais positivos para ambos os lados.
Fique atento ao próximo artigo. Até lá!
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