Autismo e inclusão: existe acesso ao currículo regular?
- Pandorga Formação Autismo
- 1 de ago.
- 5 min de leitura
Neste artigo você vai ler sobre uma avaliação de inclusão escolar. Esta avaliação foi realizada pela nossa professora Rita Jordan em uma escola regular que se apresentava como plenamente inclusiva e este texto está baseado no relato que ela fez.
Ao longo da leitura você vai conhecer alguns critérios importantes (e objetivos) para avaliar se uma escola é inclusiva.
Vamos ver se essa escola era de fato inclusiva?
Autismo e inclusão

Inclusão e currículo
Inclusão e justiça social, de um tempo para cá, se tornaram um movimento generalizado no mundo todo. Hoje em dia, espera-se que qualquer tipo de serviço atenda a esses dois princípios. Isso, naturalmente, também inclui o direito das pessoas autistas de serem incluídas em todas as esferas da sociedade, inclusive − e talvez principalmente − na escola.
No Brasil, a grande maioria das crianças autistas em idade escolar está matriculada em escolas regulares – até mesmo porque é uma exigência legal. Na escola regular elas vão estudar junto com todas as outras crianças, e se acredita que tenham condições de acompanhar o currículo regular que é válido para todos.
A questão do acesso ao currículo é um ponto chave. Apesar disso, ainda é uma questão muito mal compreendida na inclusão escolar de crianças autistas. A professora Rita Jordan faz um alerta: crianças autistas podem até conseguir acompanhar o currículo, no sentido de cumprirem tarefas, “mas é possível que não consigam tirar proveito desse currículo por causa de outras questões sociais que impedem a sua participação.”
Por essa razão, faz parte do esforço de inclusão pensar em como o acesso ao currículo será administrado. Se não há compreensão e atenção para as necessidades específicas do autismo, a criança autista vai ficar à margem desse currículo. Temos que ter em mente que o currículo forma pessoas dentro da cultura em que vivem. O currículo liga o aprendiz à sua cultura. Isso é a inclusão pensada para a vida, para muito além do ambiente da escola.
Não é demais lembrar: crianças com autismo não se desenvolvem da mesma maneira que crianças típicas e, por isso, têm necessidades diferentes. Se isso não for levado em consideração, não haverá acesso ao currículo para essas crianças.
Um caso real de “inclusão”
Como parte de uma pesquisa que estava fazendo, a professora Rita observou a rotina de um estudante autista na escola regular onde ele estudava. Era um menino de 10 anos e, segundo a administração da escola, ele estava plenamente incluído. Este menino era acompanhado por uma auxiliar de educação todos os dias durante o período da manhã, o que é bastante se comparado com o tempo de apoio que normalmente se oferece nas escolas. No período da tarde, o menino não dispunha de auxiliar para lhe dar suporte.
A auxiliar de educação
A auxiliar de educação era uma ótima pessoa. Entretanto, ela nunca tinha tempo para conversar com a professora do menino fora dos horários de aula – o que seria muito importante se quisesse fazer algum planejamento de apoio para o menino. Ela sempre chegava exatamente no início da aula e ia embora assim que dava o sinal: ela tinha filhos e precisava levá-los e buscá-los de suas respectivas escolas de manhã e no horário de almoço. Além disso, ela não tinha recebido nenhum treinamento para a função de auxiliar de educação.

Em outras palavras, ela não sabia o que a professora tinha intenção de trabalhar em cada aula; consequentemente, não tinha condições de preparar o menino para eventuais dificuldades que pudessem surgir. Ela trabalhava sempre na base do improviso: no momento em que as dificuldades surgiam, ela “dava um jeito”.
Como é comum no autismo, este menino precisava de mais tempo para entender as instruções da professora e levava mais tempo ou simplesmente não conseguia fazer o que era pedido. Com isso, em geral, ele se atrasava em relação aos colegas. A auxiliar de educação acreditava que fazia parte do seu trabalho ajudar o menino a “acompanhar a turma” e isso, muitas vezes, significava concluir as tarefas por ele.
A auxiliar acompanhava o menino sempre, não importava a atividade. Mesmo nas aulas de educação física, quando ela assumia a tarefa de vesti-lo – ao invés de lhe ensinar maneiras de conseguir se vestir sozinho. Obviamente, o menino foi percebendo que a auxiliar terminava as tarefas por ele e, com tempo, foi desistindo de tentar fazê-las por conta própria.

O recreio
E o que acontecia durante o recreio? O menino passava todo o intervalo caminhando sozinho pelas margens do pátio. As outras crianças, às vezes, reparavam nele, mas o achavam estranho e não sabiam como interagir. Com isso, acabavam não se aproximando. Durante o período de observação, ninguém na escola tentou ou sequer teve a ideia de ensinar tanto o menino quanto as outras crianças a interagirem. E esse menino ainda tinha muita sorte porque não sofria bullying.
O professor da tarde
No período da tarde, vinha um professor. Ele era jovem, muito simpático, e costumava fazer atividades artísticas com as crianças, como por exemplo, teatro. Ele era ótimo com as crianças, incentivando-as sempre a colaborarem no preparo das encenações. No entanto, como não entendia nada de necessidades especiais, muito menos de autismo, ele não sabia o que fazer para envolver seu aluno autista nas atividades. O menino acabava ficando à margem das atividades e quando começava a se agitar e fazer barulho, o professor lhe dizia que podia ir brincar no computador. Porém, não havia nada previsto para fazer no computador. A ideia era simplesmente que ele se ocupasse com alguma coisa... qualquer coisa.
A inclusão era uma farsa
Para a pesquisa, foi registrado o número de vezes em que houve algum tipo de interação entre este estudante autista e outras pessoas ao longo do dia. A professora Rita conta: “As únicas vezes em que os professores lhe dirigiram a palavra foi para dar algumas ordens técnicas, como ‘você pode jogar no computador agora’ ou ‘é hora de almoçar’. Nenhuma criança falou com ele, e ele não falou com ninguém, nem com crianças, nem com professores. E a isso chamavam de plenamente incluído. Na verdade, era uma farsa.”
É muito provável que essa não seja uma situação incomum. É um tipo de padrão que muitas vezes pode ser observado quando crianças supostamente recebem apoio para inclusão. Isso acontece porque, frequentemente, o modelo de inclusão utilizado se baseia em dificuldades intelectuais, e este modelo nem sempre é apropriado para o caso do autismo.
Critérios
Neste relato observamos que a professora Rita aplicou critérios bem objetivos, fez uma observação profissional e concluiu que a inclusão anunciada pela escola não existia de fato. A professora da manhã não se envolvia com o menino – esta tarefa era da auxiliar de educação. A auxiliar de educação, sem tempo e sem preparo, não conseguia ajudar o menino a aprender. À tarde, o menino não participava das atividades, estava meramente presente na sala, “matando tempo”. Nenhum esforço estava sendo feito para estimular a interação entre o menino e as outras pessoas, por mínima que fosse. A escola, de modo geral, não parecia preocupada em saber se o conhecimento desse aluno estava evoluindo.
E o acesso ao currículo?

Voltando à questão colocada no início, que acesso esse estudante estava tendo ao currículo? De que forma ele estava sendo beneficiado por esse arcabouço de temas, conteúdos, materiais, atividades e experiências proposto pelo currículo? O que é que ele estava de fato aprendendo?
Crianças vão à escola para aprender. Estudantes autistas também aprendem. Qual é o objetivo da inclusão senão esse?
Professores e responsáveis por uma escola regular inclusiva podem utilizar esses critérios para analisar se há aspectos a melhorar na inclusão praticada pela escola. Famílias e responsáveis por uma criança ou jovem autista, podem aproveitar esses critérios para ajudar a escola a melhorar o que precisa ser melhorado no seu esforço por inclusão.
Esperamos que este artigo ajude a aprimorar critérios de avaliação para uma escola inclusiva.
