As emoções no autismo
- Pandorga Formação Autismo
- 23 de mai.
- 5 min de leitura
Neste artigo estamos retomando um assunto que já foi tratado em artigos recentes: o modo diferente de pensar das pessoas autistas. Aqui trazemos mais um aspecto do pensar diferente: as emoções no autismo. Emoções são abstratas e pessoas com autismo têm o pensamento concreto, perceptual. Gunilla Gerland é uma importante ativista sueca no campo do autismo. Um dia, quando ela estava de passagem pela Bélgica para dar algumas palestras, nossa professora Hilde De Clercq perguntou a Gunilla se ela poderia falar sobre suas emoções, ao que ela respondeu: “Emoções? Eu nunca vi minhas emoções.”

As emoções no autismo
Um dia desses, a mãe de um estudante universitário autista comentou: “Meu filho é muito carinhoso comigo. E ele me disse: ‘Mãe, eu sei que te amo muito. Mas eu não sinto isso.’” É intrigante, não é?
O fato é que a maioria das pessoas autistas não sabe o que fazer com suas emoções e, por essa razão, este é um tema que merece muita atenção das nossas professoras internacionais nos seus cursos[1]. O que você vai ler em seguida é baseado em uma aula da professora Rita Jordan[2].
Ensinar sobre emoções
Assim como quase tudo no autismo, emoções precisam ser ensinadas. Embora este recurso também possa ser usado, ensinar emoções não significa simplesmente mostrar imagens e nomear as emoções que estão representadas.

O que precisamos fazer em primeiro lugar é ajudar a pessoa a entender suas próprias emoções. Mais tarde vamos ajudá-la a reconhecer emoções nas outras pessoas.
Veja um exemplo. Quando percebemos que a pessoa está com raiva ou chateada, podemos lhe mostrar seu rosto num espelho. Além de a pessoa visualizar, concretamente, como é a expressão da raiva, o fato de se concentrar na própria expressão muitas vezes vai fazer com que ela consiga modular essa emoção. Isso pode ajudá-la a se acalmar. E, se ela se acalma, podemos novamente mostrar sua imagem no espelho para que ela veja a mudança que ocorre na expressão do seu rosto. Lembre-se de que pessoas autistas são muito atentas a detalhes.
Não é fácil identificar certas emoções
É importante levar em conta que há certas emoções que podem ser difíceis de serem identificadas nas pessoas autistas. Felicidade e satisfação, por exemplo, são emoções que, com frequência, elas não expressam facilmente. Isso acontece, pelo menos em parte, porque a expressão das emoções tem relação com a comunicação; não é apenas, ou necessariamente, uma reação biológica ao que sentimos. Nós expressamos o que sentimos porque queremos comunicar esse sentimento.
Considerando que a dificuldade com a comunicação é uma das características básicas do autismo, é natural que a expressão das emoções seja limitada ou silenciada. Uma consequência disso é que, para as outras pessoas, fica mais difícil entender o que a pessoa autista está sentindo: nem sempre captamos esses sentimentos corretamente. Porém, não podemos nos esquecer de que estamos falando da expressão das emoções, e não das emoções em si! A emoção está lá. O que pode não estar é a expressão física dela.

Algumas estratégias
Quando estivermos ensinando emoções, uma estratégia pode ser usar expressões emocionais muito nítidas, exagerando nossa expressão. Também podemos criar encenações. Na escola, por exemplo, a professora pode interpretar, digamos, uma vendedora zangada, triste ou alegre. Quando a criança vê a professora encenando, ela vai, aos poucos, aprendendo a identificar essas emoções. A própria criança também deve ter sua vez de fazer o papel da vendedora zangada, triste ou alegre. Quando faz isso, ela tem a chance de encenar suas emoções, e o que ela aprende com esses exercícios é que as pessoas se comportam de maneiras diferentes dependendo do que estão sentindo.
Quando conhecemos muito bem uma pessoa com autismo, em geral somos capazes de identificar quando ela está assustada, irritada ou satisfeita, por exemplo. Nesses casos, podemos aproveitar essas expressões reais para trabalhar com as emoções. Se percebemos que ela está irritada, temos que comunicar isso a ela: “Você está irritado.”. E soubermos identificar a causa, melhor ainda: “Você está irritado porque não está conseguindo fazer o exercício.”
Ensinar sobre o que fazer com sentimentos e emoções
É importante lembrar que não cabe a ninguém questionar as emoções de uma pessoa. Ela tem o direito de ficar chateada, furiosa ou contente com o que quiser. O que nos cabe é trabalhar a maneira como ela lida com essas emoções.
Vamos voltar à criança que está irritada porque não consegue fazer o exercício. Digamos que ela começa a chutar e empurrar a cadeira do colega que está sentado à sua frente. O que podemos fazer? Vamos explicar que ela está se sentindo irritada porque não consegue fazer o exercício e é por isso que está chutando a cadeira do colega. Também vamos lhe dizer que não queremos que ela faça isso. Mas, como explica a professora Rita Jordan, “temos que dizer o que queremos que ela faça em vez disso. Pessoas com autismo não conseguem simplesmente deixar de fazer algo. Precisamos oferecer alguma alternativa.”

Rita Jordan conta que, na época em que era professora em escolas, ela costumava ter uma boneca inflável na sua sala de aula. A boneca servia de saco de pancadas. Quando uma criança ficava com muita raiva podia bater na boneca. Ninguém tinha o direito de bater nas pessoas, mas podiam bater na boneca para extravasar a raiva. Esta era a alternativa.
Então, lembre-se: quando se trata de uma emoção negativa, ajude a pessoa a perceber o que ela está sentindo e o que ela está fazendo por causa desse sentimento. Se for necessário, diga que você quer que ela pare de fazer aquilo, mas diga-lhe também o que ela deve fazer em vez disso. Com isso você ajuda a pessoa a reconhecer a origem daquela emoção e como ela pode resolver o problema.
Na verdade, uma maneira de lidar com qualquer tipo de comportamento indesejado é oferecer outras estratégias para lidar com aquilo que está incomodando. Muitos comportamentos difíceis se originam das dificuldades de comunicação, como pode ser o caso com as emoções. Às vezes, a alternativa ao comportamento que não queremos é oferecer ferramentas de comunicação mais adequadas à capacidade da pessoa.
E nada disso se faz da noite para o dia. É preciso paciência, persistência e crença na capacidade da pessoa de aprender.
[1] Consulte no nosso site os cursos da Série Rita Jordan e da Série Hilde De Clercq.
[2] Série Rita Jordan, Curso 1: Necessidades no TEA e o papel da educação, Módulo 5: Necessidades de aprendizagem associadas ao autismo.
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