Boas práticas na inclusão escolar de crianças autistas
- Pandorga Formação Autismo

- 29 de ago.
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Uma experiência de inclusão que não aconteceu
Em um artigo anterior, trouxemos um relato sobre a avaliação de um caso de inclusão plena em uma escola regular. Entretanto, ao contrário do que a escola afirmava, não havia inclusão nenhuma do estudante autista.
Naquele texto foram apresentados alguns critérios concretos que podem ser utilizados para fazer uma avaliação desse tipo. A partir do que observou, a professora Rita Jordan chegou a uma série de conclusões com as quais podemos aprender algumas coisas importantes a respeito de inclusão:
1) O currículo apresentado por aquela escola não indicava nenhuma possibilidade de adaptação a um grupo mais amplo de crianças, incluindo crianças com autismo.
2) Apesar disso, era esperado que todos os estudantes tivessem acesso ao currículo, independentemente de suas condições.
3) O foco estava na conclusão de tarefas e não na aprendizagem; o “suporte” a esses estudantes se resumia a ajudar a criança a entregar as tarefas pedidas.
4) Não havia nenhuma tentativa de aproveitar a presença dos colegas para ajudarem e serem um modelo para o estudante autista.
As falhas dessa escola se concentravam basicamente nos aspectos terapêuticos da educação, ou seja, justamente naqueles aspectos que precisam ser adaptados para estudantes com estilos cognitivos diferentes do típico.
A escola regular e o (des)preparo dos professores
A escola onde essa avaliação foi realizada faz parte de uma rede regular de ensino. Quando se pensa em inclusão de estudantes autistas, o problema nesse tipo de escola é que, em geral, seus professores não estão preparados para o autismo. E sem o preparo adequado, não conseguem compreender as especificidades do autismo:
- tendem a julgar os comportamentos das pessoas autistas com base nos comportamentos neurotípicos;
- não são capazes de fazer uma avaliação correta do comportamento e das necessidades da criança autista;
- acham que sabem o que está acontecendo quando, na verdade, sua interpretação pode estar completamente equivocada.
Um professor que não entende de autismo não conseguirá identificar as necessidades da criança autista, nem fornecer o suporte adequado. Assim sendo, duas coisas podem acontecer: a criança acaba sendo excluída; ou, a experiência escolar é tão negativa − geralmente por causa do bullying − que ela desenvolve uma fobia à escola que pode ser muito difícil de reverter.
Boas práticas para a inclusão
Até aqui vimos o que não funciona quando a intenção é incluir um estudante autista. Obviamente também existem ações e estratégias possíveis que favorecem a inclusão desses estudantes. A professora Rita nos dá algumas ideias de boas práticas para a inclusão.
a. Adequação, recursos e treinamento
Em primeiríssimo lugar, é necessário que se forneça mais treinamento em autismo para professores, pessoal de apoio e profissionais de assessoramento. Não há como escapar desta necessidade. Boa vontade não basta. Para trabalhar com autismo é necessário ter conhecimento sobre autismo. Qualquer tentativa de inclusão que prescindir deste princípio, não terá bons resultados.
Uma prática que pode beneficiar todo o processo de inclusão são visitas de especialistas em autismo às escolas. Não devem ser visitas com o objetivo de supervisionar o trabalho das escolas, mas de auxiliar os professores a analisarem corretamente o que está acontecendo e a aplicarem concretamente o que porventura aprenderam sobre autismo. Mesmo tendo participado de formações, a equipe escolar vai precisar de auxílio para aplicar esses conhecimentos no dia a dia com seus alunos autistas. Quando os profissionais não estão conseguindo avançar, o olhar externo de um especialista em autismo pode ajudar a superar obstáculos.
b. Turma única X classes-satélite
• A turma única para estudantes autistas
Existe um modelo de organização escolar em que todas as crianças autistas de uma escola são reunidas em uma única turma. Esta pode parecer uma boa ideia, porém, aprofundando um pouco a análise, percebemos que este modelo tem um grande problema.
Uma turma única para estudantes autistas acaba funcionando como se fosse uma miniescola, porém, com inúmeras desvantagens por causa do tamanho reduzido. O professor responsável por esta turma terá que lidar com um grupo composto por crianças com habilidades e idades muito variadas. As necessidades dos diversos alunos serão muito diferentes, e as áreas do currículo que precisam ser trabalhadas também. A tarefa de ensinar e acompanhar adequadamente e individualmente cada um dos alunos é praticamente impossível de ser realizada porque essas crianças não podem ser ensinadas como grupo.
É claro que, quando se cria um turma única de estudantes autistas dentro de uma escola regular, o objetivo é que eles sejam gradualmente inseridos nas turmas regulares da escola. O fato de eles já estarem na escola deveria facilitar o processo de inserção nas turmas regulares.
No entanto, como existe uma turma de crianças autistas sob a responsabilidade de um professor especializado, em geral o que acontece é que os outros professores não assumem responsabilidade por essas crianças. Na maior parte de situações como esta, o professor da turma especial está sozinho e isolado, numa situação totalmente improdutiva.
Os outros professores podem até ter uma atitude cooperativa, permitindo que a criança autista participe das suas aulas. Mas, como não têm o conhecimento necessário para dar suporte a essa criança, no momento em que ela apresentar comportamentos difíceis, começar a perturbar a aula ou não conseguir acompanhar o currículo, o professor especializado será chamado para que leve a criança de volta para sua turma especial.
Essa situação é ainda mais complicada do que aquela em que a escola especializada tenta integrar as crianças com autismo a uma escola regular. A escola especializada pelo menos oferece suporte à toda sua equipe, oferece a oportunidade de seus professores se aprimorarem e os professores têm os colegas com quem podem dialogar sobre os problemas que enfrentam. Na escola regular, o professor especializado está por sua própria conta, não costuma ter suporte de parte nenhuma e não tem com quem trocar ideias sobre os problemas que surgem.
• As classes-satélite da escola especializada
Para mudar esse quadro, temos o exemplo de um modelo que foi implantado no sul da Austrália. Esta forma de organização reúne elementos tanto da classe especial única dentro da escola regular quanto da escola especializada.
Nesse modelo, a escola especializada tem classes-satélite dentro das escolas regulares. As escolas regulares recebem estudantes autistas que iniciam seu processo de integração na nova escola frequentando a classe-satélite. Durante todo o processo de transição do estudante autista, do ambiente especializado para o ambiente regular, a escola regular e seus professores recebem suporte da escola especializada. Também são realizados intercâmbios entre a escola especializada e a escola regular. Com isso, o conhecimento especializado é compartilhado com a escola regular.
A inclusão da criança que está frequentando a classe-satélite no ambiente da escola regular vai acontecer gradualmente, à medida que ela adquire mais habilidades para participar e que a escola adquire conhecimento e se torna mais preparada para dar o suporte necessário à criança.
Esse não é um processo simples e óbvio; ao contrário, requer muito planejamento e preparo para funcionar na prática.
c. Sala de recursos
A sala de recursos como canal para a inclusão de estudantes autistas é uma solução melhor do que a turma única para autistas.
Como a professora responsável pela sala de recursos não está presa à atividade normal de sala de aula, ela tem disponibilidade para colaborar com os outros professores. Esta professora pode se informar sobre as intenções dos seus colegas e sobre os objetivos do currículo de cada um. Assim, tem condições de antecipar possíveis problemas e, com isso, ajudar tanto a criança autista quanto seu colega da turma regular a se preparar. Tudo isso com a vantagem de que esses profissionais fazem parte da escola regular, não são especialistas adjuntos como seriam se trabalhassem com uma turma especial.
Além disso a sala de recursos pode funcionar como um refúgio. Se a criança passou por momentos difíceis antes de ir para a escola e, por isso, não consegue participar da aula na turma regular, ela pode ficar estudando e fazendo suas lições na sala de recursos.
d. Bullying
O bullying é um dos fatores que mais gera exclusão de crianças autistas. Lidar com este problema e encontrar soluções faz parte das boas práticas de inclusão.
A experiência de uma escola no Reino Unido é um exemplo de como situações de bullying podem ser resolvidas. Nesta escola, se uma criança é flagrada praticando bullying contra um colega autista, ela é obrigada a fazer um curso intensivo sobre autismo. O curso acontece durante os recreios e esse aluno não tem como fugir do compromisso. Boa parte das aulas são ministradas por pessoas autistas que falam sobre sua condição e sobre o que ajuda e o que atrapalha a vida delas.
Quando os professores percebem que a criança agressora compreendeu a situação e se tornou mais solidária e empática, ela é autorizada a voltar a fazer o intervalo normalmente em vez de assistir ao curso.
Esta foi uma experiência muito bem sucedida porque o trabalho é feito com os principais agressores que são crianças, em geral, muito populares na escola. Se elas entendem a situação do estudante autista e começam a tomar o partido dessa criança, as outras tendem a prestar atenção nas suas atitudes. De líderes negativos, elas passam a líderes positivos, o que é benéfico também para elas.
É claro que, em qualquer situação de inclusão escolar, professores são a peça-chave. Hoje, é preciso saber ensinar na diversidade, e esta não é uma tarefa fácil. Por isso, é imprescindível que professores tenham formação não apenas nas suas respectivas disciplinas, mas também em desenvolvimento infantil, em ensino e aprendizagem e em áreas como autismo e outras condições. Os professores precisam conhecer as diferenças que existem entre o desenvolvimento de uma criança típica e o de uma criança autista, por exemplo, e as implicações que essas diferenças terão para cada criança em termos de acesso ao currículo, convívio com colegas e capacidade de lidar com o ambiente da sala de aula.
Por essas (e muitas outras) razões, é imprescindível valorizar a profissão, muito mais do que ela é valorizada hoje. E valorizar a profissão significa confiar nesses profissionais e, sobretudo, fornecer os meios necessários de modo que adquiram a competência e tenham os recursos para fazer as adequações necessárias para acolher todas as crianças.




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