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A noção de tempo no autismo

Atualizado: 20 de mai.

As pessoas autistas têm uma característica fundamental que as diferencia das pessoas típicas: um estilo cognitivo diferente. Focar em detalhes, não ter noção de perigo, tomar a linguagem ao pé da letra, ter um pensamento perceptual... tudo isso faz parte do estilo cognitivo diferente das pessoas com autismo. Em certas pessoas essas características são muito acentuadas, ao passo que em outras só são percebidas depois de uma observação muito atenta. Por causa desse modo diferente de pensar, as pessoas autistas muitas vezes têm dificuldades para entender o contexto de uma situação, entram em situações arriscadas sem perceber, não captam subentendidos e segundas intenções e são muito literais, entre muitos outros cenários possíveis.


Neste artigo vamos abordar outro tema onde o estilo cognitivo diferente das pessoas autistas se faz sentir. Vamos falar da maneira como elas lidam com o tempo.

Autismo e a noção de tempo

A noção de tempo no autismo

Pensamento concreto e desenvolvimento de conceitos

O pensamento autista é muito concreto. Tudo o que é simbólico e abstrato é mais difícil para a pessoa com autismo, afinal, ela tem um pensamento focado nas percepções e nos detalhes. Ela tem mais facilidade para ver o que diferencia as coisas do que aquilo que as coisas têm em comum. Para criar um conceito, é preciso perceber o que há em comum entre diferentes elementos. Estamos nos referindo a conceitos do dia a dia, conceitos corriqueiros, como por exemplo, “cadeira”, “gato”, “vermelho”. Para formar o conceito de “cadeira”, é preciso ver o que todas as cadeiras têm em comum, por mais diferentes que sejam. As crianças autistas, muitas vezes, tendem a ver cada cadeira (ou mesa, ou bicicleta, ou boneca etc) que encontram como um objeto totalmente novo, sem relação com as outras cadeiras que já viu antes.

 

O conceito de tempo

É, pelo menos em parte, por causa deste pensamento muito concreto que autistas têm uma enorme dificuldade em lidar com o tempo. É claro que, se pararmos para refletir seriamente sobre tempo, teremos que admitir que este não é exatamente um conceito corriqueiro. Porém, lidamos com ele como se fosse. Faça o teste. Antes de continuar a leitura, dê uma pequena pausa e pense em como você explicaria para alguém o que é tempo...


Ainda assim falamos e manejamos o tempo como se fosse a coisa mais simples e óbvia do mundo.

 

Como pessoas típicas lidam com o tempo?

13 relógios e de diferentes tamanhos e estilos sobre um fundo bege.

A pessoa típica cria uma linha do tempo imaginária para organizar o passado e para planejar o futuro. O tempo, este conceito absolutamente abstrato, vago e indefinido, a pessoa típica o representa como uma linha, uma sequência de eventos. E, nesta linha, todos os acontecimentos passados vão sendo organizados em sequência: é a sequência histórica.


A pessoa típica sempre se lembra de eventos em relação a outros eventos. Qualquer evento na vida de uma pessoa típica estará encaixado numa sequência histórica; ou seja, tudo acontece antes, depois ou durante outros acontecimentos. Aquilo aconteceu depois da pandemia; antes da enchente; durante as férias; entre Natal e Ano Novo; no dia em que o Pedro chegou...


A mente da pessoa típica utiliza o esquema da sequência histórica para organizar suas memórias: é assim que ela consegue se lembrar das coisas que viveu, dos compromissos, do que é necessário para viver, das relações, das estruturas de apoio...  

 

E as pessoas autistas, como lidam com o tempo? 

​Tendo um estilo cognitivo diferente, as pessoas autistas geralmente não criam essa linha de eventos sucessivos e, consequentemente, não conseguem organizar suas memórias numa sequência histórica. Nas palavras de Hilde De Clercq, “diz-se que pessoas com autismo estão perdidas no tempo. E é verdade. Por que estão perdidas no tempo? Porque o tempo é muito abstrato, é muito simbólico.”


Naoki Higashida.

Naoki Higashida, um rapaz autista japonês que escreveu seu primeiro livro, O que me faz pular, aos 13 anos de idade, conta como é para ele lidar com memórias. Ele explica que esquece muito rápido o que acabou de ouvir. Para ele, não existe muita diferença entre o que lhe disseram há um segundo e o que ouviu muito tempo atrás. Ele diz que o modo como se lembra das coisas é muito diferente daquele das outras pessoas. Ele não ordena suas memórias de forma linear, numa espécie de “fila de memórias” como as pessoas típicas. A memória dele está mais para uma piscina de bolinhas onde cada bolinha é uma memória que não tem nenhum lugar específico e ordenado. Ele explica que tenta “‘pegar’ essas bolinhas, fazendo perguntas para chegar até a lembrança que elas representam.”


Uma piscina de bolinhas é exatamente o contrário de uma linha de tempo ordenada de forma contínua, numa sequência histórica e, certamente, não é um bom meio de organizar o que quer que seja. Imagine a dificuldade para se lembrar das coisas!

 

Organizar o passado e o futuro

Pensar em sequência histórica não é importante apenas para organizar lembranças do passado. Também é fundamental para organizar o futuro. É preciso projetar a sequência histórica para a frente a fim de poder fazer planos para o futuro, a fim de poder antecipar e resolver problemas.

SmartWatch

Estudantes, por exemplo, precisam pensar em sequência histórica para manejar o tempo que têm à disposição a fim de antecipar o preparo de provas e cumprir prazos. Autistas têm dificuldades com isso. Muitos se dão conta apenas no domingo à noite que têm uma prova decisiva ou uma entrega de trabalho na segunda-feira. Isso não acontece porque são relapsos ou displicentes. Pelo contrário, pessoas autistas costumam ser perfeccionistas – o que aumenta ainda mais sua angústia e ansiedade. Portanto, se o estudante autista tem dificuldades para entregar trabalhos no prazo ou se preparar para testes, isso pode ser uma consequência do autismo.

 

Essas mesmas dificuldades estão presentes em todas as esferas e etapas da vida. Como já vimos, o pensamento perceptual e concreto, que com frequência se manifesta nas pessoas autistas, torna difícil lidar com algo tão abstrato como o tempo.


Para qualquer pessoa que tenha como objetivo ajudar uma pessoa autista, é essencial entender essa dificuldade e saber que ela pode se manifestar de várias formas e em vários âmbitos. Como muitas outras noções que para as pessoas típicas são intuitivas, a noção de tempo − o “depois”, o “antes”, o “agora” − não é óbvia para pessoas com autismo. É uma noção que precisa ser ensinada, mostrada e treinada e, para isso, o apoio visual é uma ferramenta básica.

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